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sábado, 6 de novembro de 2010

Musicais e pça. Roosevelt discutem relação


A convite da Folha, Saulo Vasconcelos, de "Mamma Mia!", e Rodolfo García Vázquez, dos Satyros, veem espetáculos um do outro

Após a recusa de um expoente "alternativo" para o "confronto", ator de musicais convence o diretor dos Satyros

Cena do musical "Mamma Mia!", que estreia na próxima quinta, noTeatro Abril

De um lado, Saulo Vasconcelos, 36, espécie de Tarcísio Meira dos musicais de São Paulo, voz encorpada de um Fantasma da Ópera e sorriso de comerciais.

Do outro, Rodolfo García Vázquez, 48, rei do teatro marginal da praça Roosevelt, pé de chinelo que vive colocando atores nus no palco de seu Espaço dos Satyros em situações que ele insiste em vender como arte.

A convite da Folha, um foi apreciar o trabalho do outro. Não como adversários, mas como símbolos díspares de uma mesma expressão artística a que chamam por aí de teatro.

Reconciliar diferenças estéticas pode não ser fácil. A última esperança, então, recai sobre uma possível DR. A portentosa discussão de relacionamento que vem se adiando desde que a Broadway e os experimentais resolveram ganhar corpo numa cidade aberta a todo tipo de espetáculo.

Mário Bortolotto, o dramaturgo que tomou três tiros e não morreu, foi o primeiro a ser convidado para a experiência. "Não tenho vontade nenhuma de ver um musical. Se fosse um trampo, eu até suportaria, mas tenho mais o que fazer numa terça-feira à noite", respondeu ele à reportagem, por e-mail.
Mas os mauricinhos dos musicais não vão a nocaute: mesmo a par da recusa de Bortolotto em ver seu trabalho, Vasconcelos aceita fazer a visita ao reduto dos alternativos num sábado.

Num golpe de mestre, ele mesmo convida o diretor do grupo Os Satyros ao "duelo". Democrático, García Vázquez não soube dizer não.
"Queria trabalhar num espetáculo assim", diz ator

Uma semana antes de estrear, na próxima quinta, em "Mamma Mia!", peça com canções do Abba, Saulo Vasconcelos decidiu enfrentar o desafio. Escreveu à Folha a seguinte mensagem: "Hoje é meu único dia de descanso, mas acho importantíssima essa oportunidade, que pode vir a derrubar esse preconceito dos dois lados. Me diz onde, a que horas e o nome da peça".

Às 21h, no Espaço dos Satyros, ingressos de R$ 5 a R$ 40. O ator foi de camisa bem passada. Deu R$ 10 para um mendigo sem o braço esquerdo, que passou em frente ao teatro na praça Roosevelt. O pedinte desacreditou.

Na sala de 50 lugares, assistiu a "Roberto Zucco", produção que não chega a R$ 5.000 sobre um serial killer que matou os pais e saiu andando por Paris.

Vasconcelos gostou especialmente da forma como a encenação ocupa o espaço de 60 m2. As duas arquibancadas que formam a plateia se movimentam sobre rodas. Com o público sobre elas, as estruturas modulam diversas possibilidades espaciais.

"Queria muito trabalhar num espetáculo como esse", aplaudia o ator, ao fim da sessão. "O problema é que financeiramente não dá."

De fato, nenhum dos 20 atores é pago pelo trabalho. Há um ano, atuam em regime de saltimbanco. A companhia, diz o diretor Rodolfo García Vázquez, está no fundo do poço, depois de três anos sem vencer editais de fomento à produção teatral.Nos musicais da T4F, desses em que Vasconcelos atua, dificilmente um intérprete ganha menos de R$ 4.000 mensais.

Saulo ajeitou uma cadeira de plástico desparafusada e deixou a plateia com cuidado para não cair no vão entre as arquibancadas de madeira.
Fez questão de dar os parabéns a García Vázquez, dizendo: "Minha cabeça não para de pensar no que vi".

O que faz falta ao ator, diz, é participar mais efetivamente da criação da montagem. "Num musical, o trabalho de certa forma já vem pronto dos EUA. É possível fazer uma contribuição pessoal como intérprete, mas não existe esse workshop que se vê numa peça experimental."

Foi a primeira vez que Vasconcelos entrou no espaço que há dez anos deu início à ocupação teatral da praça Roosevelt. Antes, o local ambientava ponto de tráfico de drogas e prostituição. (GF)

RAIO-X SAULO VASCONCELOS

VIDA
Natural de Brasília, 36 anos, é formado em canto lírico

OBRA
Há doze anos se dedica a musicais. Atuou em várias óperas, entre elas "O Barbeiro de Sevilha", regida por Marconi Araújo. Protagonizou duas montagens de "O Fantasma da Ópera" e participou de espetáculos como "A Noviça Rebelde" e "Les Misérables"

OUTROS TRABALHOS
Lançou o CD "Pretty Words", com canções de musicais


RAIO-X RODOLFO GARCÍA VÁZQUEZ

VIDA
Paulistano, tem 48 anos e é formado em administração pela Fundação Getúlio Vargas. Em 1989, fundou Os Satyros com Ivam Cabral

OBRA
Como dramaturgo, escreveu "Kaspar ou a Triste História do Pequeno Rei do Infinito Arrancado de Sua Casca de Noz" e "Transex", entre outras

PRÊMIOS
Dirigiu "A Vida na Praça Roosevelt", pela qual recebeu um Shell, prêmio ao qual foi indicado outras três vezes como diretor


Diretor compara "Mamma Mia!" com filme da Xuxa





Rodolfo García Vázquez não vê glamour em ser convidado para a pré-estreia de um musical da Broadway em São Paulo.

Os aproximados 2 km do percurso de sua casa, que fica no baixo Augusta, até o teatro Abril, na Bela Vista, ele fez a pé. O diretor e dramaturgo chegou quase na hora do espetáculo, um pouco suado. A barra da calça jeans mal feita e carcomida na parte dos calcanhares.

Foi sua primeira investida no universo da Broadway paulistana. A peça é "Mamma Mia!", cuja versão original ele viu em Nova York.

García Vázquez estava especialmente ansioso para ouvir Abba em português. No primeiro ato da peça, gargalhou com a tradução dos versos "You can dance/ you can jive", de "Dancing Queen": "Vem dançar/ a valer/ hoje a rainha é você".
Ao ver a interpretação da canção "Chiquitita", fez sua primeira observação. "É bem mais engraçado do que a americana. Está diferente."

As montagens da produtora TF4, importadas em sistema de franchising, costumam ser fiéis ao original. Pela primeira vez, os intérpretes brasileiros parecem mais soltos. O cenário, no entanto, permanece igual.

Rodolfo considerou o primeiro ato divertido. Mas, no intervalo, fez críticas. "Essa produção deve ser absurdamente cara. Não entendo como é permitido montar um espetáculo desses, que visa ao lucro já na concepção, com dinheiro de dedução fiscal [via Lei Rouanet]."

A produção de "Mamma Mia!" não revela o valor investido no espetáculo. Mas, pelo site do Ministério da Cultura (MinC), é possível ver que a T4F solicitou captação de R$ 16,9 milhões com o benefício da Lei Rouanet -pela qual empresas podem destinar à produção cultural parcela do Imposto de Renda devido. O MinC aprovou captação de R$ 13,39 milhões.

Os ingressos custam entre R$ 80 e R$ 230.

Durante o segundo ato, o diretor pareceu cansado. Bocejou várias vezes, mexeu-se na poltrona, incomodado. Passou a rir mais do comportamento do público do que do próprio espetáculo.

García Vázquez chegou a se divertir com a plateia dançando de pé, ao som dos números que encerram a peça, enfim cantados em inglês.

Saiu de lá comparando o musical a um filme da Xuxa. Considerou a montagem eficiente como entretenimento. Nada contra a diversão pura, mas também nada mais do que isso. (GF)

Folha de S.Paulo !


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